1 de abril de 2021

O livro que me despertou para a leitura

Capa de edição antiga do livro "Por uma semente de paz", Ganymédes José
Editora do Brasil / 


Eu tinha doze anos quando comecei a ter aulas de leitura na escola. Da minha infância até aquele momento todo o meu interesse na leitura se concentrava em poder me divertir com os gibis da Turma da Mônica; fora isso, eu considerava ler uma atividade enfadonha, desinteressante e que eu realizava puramente por obrigação e boas notas. Nunca poderia imaginar que eu estava prestes a me tornar uma leitora.

Agora era rotineiro eu precisar fazer relatórios de livros que a professora dispunha apoiados na lousa durante a aula de leitura para que os alunos escolhessem um título de seu interesse. E todas as vezes eu sentia aquela sensação ruim já conhecida, de total desconexão com aquela atividade, com o livro que eu havia selecionado, com a história contada naquele livro.

Mas naquele dia foi diferente. Naquele dia eu avistei apoiado na lousa um livro que tinha uma capa com uma borda amarela e o centro lembrava um papel de jornal. Havia a ilustração de uma moça em pé, de frente, segurando alguns livros em um abraço junto ao peito. O título era: “Por uma semente de paz”, e a sinopse contava se tratar da jornada de uma jovem professora para ensinar os alunos adolescentes de uma escola pública na periferia. Eu era uma estudante adolescente estudando em uma escola pública em área de periferia, portanto, a história comunicava diretamente à minha realidade e isso fez o meu interesse naquele livro se tornar completo.

O nome do autor me soou muito curioso, num misto de exótico e engraçado. Era Ganymédes José. Deixei para saber mais sobre o autor num segundo momento, e iniciei minha jornada de leitura.

Aquela experiência de leitura foi algo que eu nunca antes havia vivido. Eu podia me ver sentada no banco da escola ao lado dos personagens presenciando a todos os acontecimentos que eram narrados. Podia ouvir seus diálogos, suas risadas, sentir os cheiros do ambiente e a completa atmosfera em minha pele; era como se o ato de abrir o livro em minhas mãos tivesse me dado o poder de me tornar uma personagem da história. Eu senti as tensões, os medos, a dor das lágrimas e das derrotas, a indignação pelos revezes das situações narradas como se estivessem acontecendo comigo, como se cada estrofe estivesse sendo contada para mim diretamente pelos personagens centrais em um diálogo onde o meu apoio e acolhimento eram solicitados. Eu morei naquelas páginas pelas horas que a leitura durou como a experiência mais vívida que eu havia tido na vida como uma pré-adolescente com uma rotina comum e sem nenhuma novidade.


Minha ficha da biblioteca municipal da minha cidade natal, Campinas/SP. Datada de 28/06/2002. Na foto eu tinha 13 anos de idade.


Imediatamente, fui instigada a ler todos os livros deste autor de que a escola dispunha. Infelizmente, não eram muitos títulos; os que estavam disponíveis eram de edições bem antigas e com um estado de conservação que deixava a desejar. O que me levou a buscar por seus livros na biblioteca pública da minha cidade, onde encontrei uma variedade maior de títulos e também em melhor conservação.

Tenho nítida a memória da tarde que passei na companhia da leitura do livro “Brim Azul - a história de uma calça”, da excitação com os acontecimentos cômicos e absurdos que transcorriam na história, o som alto das minhas gargalhadas ecoando pelo quarto e como ao terminar a leitura eu senti uma necessidade inquietante de dividir com alguém aquelas passagens hilariantes que eu tinha acabado de degustar!



O primeiro livro que comprei do autor na adolescência juntando meu próprio dinheirinho: Um girassol na janela, na sua 53ª impressão, um grande sucesso de público desde sua tiragem de estreia.


Quando algum livro dele estava em falta na biblioteca, eu anotava em um papel, fazendo nascer uma listinha de títulos desejados. E juntado alguns trocados que ocasionalmente eu recebia dos meus pais, comprei o meu primeiro livro do autor, o meu próprio livro do Ganymédes José, que não era mais um livro emprestado da biblioteca da escola, ou da biblioteca da cidade, que eu não precisaria mais devolver, mas era meu, todo meu e bem novinho, com capa atualizada de tiragem recente e que ganharia uma dona pela primeira vez: “Um girassol na janela”; e direto das fantasias da protagonista Vivinha, os superheróis Helianto e Santarena vieram morar para sempre no meu coração!

Descobrir os livros do Ganymédes José foi algo que marcou a minha passagem da pré-adolescência para a adolescência. Suas histórias, que falam sobre a vida comum, expõem o peso do desnivelamento da justiça, desnudam sentimentos, cultivam a compaixão no coração do leitor e guiam seus olhos para o que verdadeiramente vale ser notado. Mostram a tristeza na linha da vida que deve ser acudida e transformada. Sua obra tocante o colocou no pódio de autores brasileiros mais lidos nas décadas de 70 e 80 no Brasil e também lhe concedeu premiações importantes.



Alguns livros da minha coleção particular, adquiridos em livrarias e sebos ao longo dos anos.


Segui fazendo minha coleção, comprando seus livros sempre que conseguia juntar um dinheiro ou pedindo como presente de aniversário e de Natal. Depois de algum tempo, comecei a ter dificuldades de encontrar os títulos à venda nas livrarias; a informação que recebi a respeito foi de que eles haviam se tornado exclusivamente paradidáticos, e já não seriam mais impressos com frequência para a comercialização. Isso fez interromper a minha aquisição por um longo período, até que no ano passado, ganhei de presente surpresa mais alguns títulos adquiridos pela internet em um sebo.

Ainda não tive a sorte de encontrar a edição e a capa clássica da querida professora Liene, com seus livros num abraço junto ao peito caminhando pela via que lembrava um papel de jornal, a terna cena adornada pela borda amarela que há quase duas décadas havia me chamado a atenção dentre tantas outras capas: “Por uma semente de paz”, o livro que me despertou para a leitura. Mas continuo buscando!


As bordas amarelas que brilham forte em minha mente como na primeira vez em que avistei o livro!


Agora que a porta para o mundo da leitura havia sido aberta para mim, eu não desejava voltar nem que fosse com passagem de primeira-classe. E, nos anos a seguir, passei por outros gêneros literários, percorri aventuras e mistérios diferentes propostos por outros nomes da escrita, viajei bem longe por este extenso e surpreendente universo de criatividade e versatilidade. Mas nunca mais vou me esquecer do livro que me deu o par de asas para voar tão longe por este mundo!


Sobre o autor:

Ganymédes José Santos de Oliveira, foi um dos mais influentes escritores da literatura infantil brasileira nas décadas de 70 e 80. Recebeu vários prêmios, como o Prêmio APCA 1976, da Associação Paulista de Críticos de Arte e o Prêmio Jabuti 1985, da Câmara Brasileira do Livro, entre outros. Escreveu mais de cento e cinquenta livros entre literatura infantil, infantojuvenil e religiosos. Foi inspiração para muita gente do ramo, como Stella Carr, Álvaro Cardoso Gomes, Lourenço Diaféria e Pedro Bandeira. Também exerceu as profissões de cronista, ficcionista, poeta, tradutor, teatrólogo, musicista, restaurador de imagens sacras, advogado, professor e ilustrador de livros. Um dos principais livros foi:"Um Girassol Na Janela".


O escritor Ganymédes José

"Tenho de tirar de minha cabeça tudo o que ela puder dar ao mundo, porque sou agradecido a este mundo e não posso perder um único minuto em minha vida. Sou feliz e gostaria de dividir minha alegria com todos os que se dispuserem a me ler." (Ganymédes José)


Nascimento: 15 de maio de 1936, Casa Branca

Falecimento: 9 de julho de 1990, Casa Branca

Nome completo: Ganymédes José Santos de Oliveira

Morte: 9 de julho de 1990 (54 anos)


Livros de grande sucesso do autor: A ladeira da saudade, Por uma semente de paz, Uma luz no fim do túnel, Um girassol na janela, Série A Inspetora, Príncipe Fantasma, Amarelinho, Um amor do outro mundo, A macaca Sofia, Quando florescem os Ypês.
20 comentários on "O livro que me despertou para a leitura"
  1. Que viagem no tempo não é?
    O livro que me vem a cabeça quando penso na primeira leitura que fiz é No Reino Perdido do Beleleu.
    E assim como você quero reler mas não encontro o livro tão facilmente

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    1. Olá Chele,
      Obrigada pela sua leitura e comentário!
      Uma viagem e tanto! Eu até encontrei o livro reeditado e com capa nova, mas não é o mesma coisa de ter a capa das bordas amarelas, por isso, minha procura continua. Espero que você tenha o presente de encontrar um exemplar do seu livro em algum sebo por aí, algum dia!
      Abraço de livro!

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  2. Olá...
    Amei demais o seu relato!
    Acho que no meu caso foi O Gênio do Crime, que meu professor de portugues passou pra turma ler quando eu estava na quinta série... Aí foi um caminho sem volta ;)
    Bjo

    http://coisasdediane.blogspot.com/

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    1. Olá Diane!
      Obrigada pela leitura! Que bom que você gostou da postagem, fico contente em saber!
      Despertamos para a leitura quase na mesma época. Eu estava na sexta série.
      Venha sempre!
      Abraço de livro!

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  3. Que post mais lindo!!!Tão bom não só falar de tudo isso, de todo caminho, mas no caso, de você reviver isso e transmitir a nós!
    Eu não tenho muitas memórias, sou péssima. Mas o livro que me fez amar as letras foi A Divina Comédia, que li na biblioteca da escola, durante uma das diversas advertências que levava rs(eu pulava o muro pra ir no cemitério do lado da escola) Nâo ri rs
    Gostei tanto, que roubei o livro e o levei pra casa. Isso me custou uma surra da minha mãe, anos depois rs
    Mas valeu a pena!!!
    Adorei te ler um pouco mais!
    Beijo

    Angela Cunha Gabriel/Rubro Rosa/O Vazio na flor

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    1. Olá Angela!
      Obrigada pela leitura e por usar palavras tão bonitas para expressar o quanto gostou do texto! Fico muito contente em saber que os leitores do blog conseguiram sentir tudo o que procurei transmitir ao escrever a postagem.
      Quem nunca teve vontade de ter aquele livro amado da biblioteca da escola só para si, não é?
      Abraço de livro!

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  4. Que lindo esse seu testemunho de como se tornou leitora.
    Eu náo conhecia esse autor e fiquei um tempo olhando essa capa de bordas amarelas que tanto te conquistou .
    Espero de coração que você consiga encontra-lo

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    1. Olá Eliane!
      Obrigada pela leitura e pelo seu comentário carinhoso!
      Sou suspeita em falar, mas acho que as editoras e os leitores perdem muito em não haver um revival da obra do Ganymédes José.
      Estas bordas amarelas são como luminosos atraindo os leitores para uma história de muitos ensinamentos!
      Agradeço também pela torcida.
      Venha sempre!
      Abraço de livro!

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  5. Jacqueline!
    Que experiência transformadora, hein?
    Quando o véu da escuridão cai e passamos a enxergar a fonte de conhecimento através dos livros, é revigorante.
    Não conhecia o autor, mas fico feliz que através dele, tenha conseguido começar a ler.
    Aqui tem um sebo bem vasto e eles entregam em todo país, e caso não tenha o livro que deseja, ele procura em outros lugares: https://www.lojaosebocultural.com/
    Arrisca por lá, espero que consiga.
    cheirinhos
    Rudy

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    1. Olá Rudynalva,
      Obrigada pela sua leitura e comentário!
      Peço desculpas pela demora da resposta. Eu não tinha visto que tinham entrado novos comentários, mas fiquei muito feliz de encontrá-los.
      É um momento especial quando a porta da leitura se abre para nós.
      Agradeço pela indicação do sebo.
      Abraço de livro!

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  6. Eita que história linda, a minha é parecida, comecei a ler na escola, mas desde de pequenina sempre me incentivaram a ler, mas esse sentimento só cresceu na escola! Nunca tinha visto esse livro que bom que ele trouxe maravilhas para a sua vida! Fico muito feliz, nós leitores sabemos a importância de livros na infância os que lia eram todos da escola. E já tinha visto o livro do Girassol na Janela por lá, mas não li olhando a imagem me deu uma sensação de nostalgia(rsrsrs). Um dos primeiros autores que li foi o Pedro Bandeira (amoo até hoje). Texto incrível! Parabéns!
    Abraços!

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    1. Olá Ana,
      Obrigada pela sua leitura e comentário!
      Peço desculpas pela demora da resposta. Eu não tinha visto que tinham entrado novos comentários, mas fiquei muito feliz de encontrá-los.
      Fico muito contente que você tenha gostado da postagem e por dividir aqui como foi o seu início da leitura. Lembranças boas devem ser revisitadas e divididas!
      Abraço de livro!

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  7. Olá! Ahhhh sei bem como é essa sensação única de ser fisgada por esse mundo tão incrível que é o mundo dos livros, no meu caso o livro que abriu meu caminho para esse universo foi O menino no espelho de Fernando Sabino e eu tive a sorte de encontrar a mesma edição anos depois e hoje ele faz parte da minha coleção e tem um lugar especial no meu coração, por isso, espero que você consiga o mesmo em breve, aliás, fiquei bem curiosa com esse livro e já vou atrás para saber mais e me encantar com mais essa história.

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    1. Olá Elizete,
      Obrigada pela sua leitura e comentário!
      Peço desculpas pela demora da resposta. Eu não tinha visto que tinham entrado novos comentários, mas fiquei muito feliz de encontrá-los.
      Agradeço pela torcida para que eu encontre este querido livro das bordas amarelas e fico contente em saber que você conseguiu encontrar aquele que foi o seu passaporte para a leitura!
      Se você ler "Por uma semente de paz", vou torcer igual para que goste e se inspire!
      Abraço de livro!

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  8. Que lindo, Jacqueline, amei o seu texto sobre como você entrou no mundo da leitura!
    Não conheço o Ganymédes José, mas realmente é um nome bem exótico...
    Infelizmente não podíamos pegar emprestados livros na biblioteca municipal, pra ler tinhamos que ir ler o livro lá; já na biblioteca da escola podia mas eu pude aproveitar apenas um ano mais ou menos pois acabei os estudos no mesmo ano que ela foi inaugurada :(
    Mas confesso que o livro que me fez embarcar no mundo da leitura foi um livro didático de português que minha professora me deu no fim do ano letivo da primeira série para que eu pudesse prática minha leitura, li esse livro de trás pra frente, até hoje me lembro que o primeiro texto era sobre um gato chamado Mimi que ver uma bola de lã rsrs.
    Bjos, espero que um dia você consiga encontrar a edição de Por uma semente de paz com as bordas amarelas!

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    1. Olá Any,
      Obrigada pela sua leitura e comentário!
      Peço desculpas pela demora da resposta. Eu não tinha visto que tinham entrado novos comentários, mas fiquei muito feliz de encontrá-los.
      Que bom que você pôde aproveitar a biblioteca da sua escola ao menos por um tempinho. Sabe que eu também sempre gostei de ler essas histórinhas dos livros didáticos? Eu adorava quando encontrava algum em meio aos livros da escola por exatamente trazer várias histórinhas curtas diferentes. Já estava virando fã de ler contos e nem sabia, risos. Abraço de livro!

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  9. Nossa, que memória. Eu nem sei qual foi o livro que me inseriu no mundo da leitura, ou se teve realmente algum. Mas desde pequena meus pais me incentivaram a ler, depois dos livros infantis passei a querer gibis, sempre que ia no mercado saia com um na mão. Depois veio a época que pegava livros na biblioteca da escola, só depois que realmente veios os livros que agora leio.

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    1. Olá Fabiolla,
      Obrigada pela sua leitura e comentário!
      Peço desculpas pela demora da resposta. Eu não tinha visto que tinham entrado novos comentários, mas fiquei muito feliz de encontrá-los.
      Sou suspeita para falar de gibis, gosto até hoje e até antes da pandemia, vez ou outra eu comprava um novo quando ia ao mercado. Na adolescência realizei o sonho de fazer uma assinatura da Turma da Mônica e durante 01 ano fiquei recebendo gibis da turminha todos os meses. Ainda tenho alguns exemplares dessa "coleção" aqui em casa, outros seguiram para os sobrinhos pequenos. Abraço de livro!

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  10. Oii,
    Que história linda!
    Tem aulas que mudam a vida da gente, né?!
    Sabe que passei a ler mesmo depois das leituras obrigatórias de Dom Casmurro e Senhora também na escola. Amei tanto que nunca mais parei.
    Aii só conhecia o Ganymedes de nome, mas agora vou querer ler seus livros sim! Parecem muito profundos e cativantes.
    Bjs

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    1. Olá Ana,
      Obrigada pela sua leitura e comentário!
      Peço desculpas pela demora da resposta. Eu não tinha visto que tinham entrado novos comentários, mas fiquei muito feliz de encontrá-los.
      Os livros do Ganymédes tratam da vida com muita honestidade e trazem reflexões importantes, e fortes. Espero que você encontre alguns títulos dele e curta a leitura! Abraço de livro1

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